É natural sofrer por ciúme?
Antes de respondermos essa pergunta, é importante entendermos qual a origem desse sentimento. Se observarmos uma criança pequena, já percebemos manifestações de ciúme em suas atitudes. Por exemplo, quando percebe que o pai senta ao lado da mãe, imediatamente corre e senta-se entre ambos; ou quando o irmãozinho recebe atenção de um dos pais, procura agir da mesma forma para ganhar atenção também; outro exemplo é quando brinca com mais de um amigo e um deles dá mais atenção a outro; faz chantagem emocional, chora, briga, agride, ou recolhe o brinquedo como forma de conquistar a atenção para si.
A origem do ciúme é a necessidade de sobrevivência. Durante grande parte de sua vida, o ser humano necessita de cuidados e segurança para sobreviver e se desenvolver. Dessa forma, a atenção dos pais (ou das pessoas que atuam como pais) torna-se imprescindível para que ele receba alimento, cuidados de higiene, contato físico, calor.
A criança não tem consciência de suas necessidades. No entanto, percebe as manifestações dessas necessidades em seu corpo. Sente fome, frio, medo. Além dessas respostas corporais, sente ciúme, que nasce do medo de perder aqueles que lhe fornecem os meios necessários à sua sobrevivência. Esse sentimento desencadeia atitudes de luta pela posse da atenção do outro, de luta pela sobrevivência. Como as pessoas que lhe cuidam são as mesmas pelas quais sente amor, o sentimento de ciúme acaba se tornando uma mescla do medo de perder aquele a quem ama com o medo de perder aquele que lhe garante a vida.
Entretanto, na medida em que cresce, o ser humano se torna cada vez mais independente. Dessa forma, precisa menos do outro para suprir suas necessidades básicas de sobrevivência. Porém, sempre haverá a necessidade de contato físico e emocional, uma vez que é um animal gregário, que vive em grupo. Assim, conforme os anos vão passando, a tendência é de que o ciúme esteja somente vinculado ao medo de perder a quem se ama e, quando manifestado de forma madura, será considerado natural.
Há muitos casos de pessoas, no entanto, que sentem e manifestam o ciúme de forma doentia. Essas pessoas sofrem de tal forma que suas atitudes reativas a esse sentimento intenso tornam suas relações insuportáveis; tanto para si, como para os outros envolvidos. Em casos extremos, a pessoa ciumenta utiliza a violência na tentativa de manter a posse da atenção do outro. Algumas vezes cometendo crime de morte contra a pessoa “amada” ou contra o objeto de atenção da mesma. Ou, frente à possibilidade da perda, comete suicídio como forma de fugir do sofrimento.
Outras reações menos intensas, mas igualmente doentias, são o controle excessivo de mensagens que o outro recebe e envia nas redes sociais, a proibição de participação em eventos nos quais não esteja junto, a desconfiança (sem motivo) de estar sendo traída, dentre outras formas de perseguição e controle, onde a pessoa dificilmente relaxa, estando sempre atenta a qualquer possibilidade de ameaça à posse da atenção do outro.
Nessas situações, geralmente há questões envolvendo problemas de autoestima. A pessoa não sente que é suficientemente boa para ser amada. Compara-se e desvaloriza-se frente às outras, de forma que as tentativas de controle sobre o outro são entendidas como fundamentais para manter a atenção dele exclusivamente sobre si. Portanto evitando que ele perceba as outras pessoas mais interessantes a sua volta (segundo seu ponto de vista). Como a autoestima começa a ser formada na infância, fase em que a criança está lutando pela sobrevivência (como já citado anteriormente), uma falha na formação do conceito sobre si mesma, implicará na seguinte crença: “Se não sou boa o suficiente, não mereço a atenção daqueles a quem amo e, consequentemente, minha segurança está ameaçada”.
Assim, a pessoa que sofre por ciúme doentio não tem somente medo de perder a pessoa que ama. Ela tem medo também de perder a si mesma, pois vivencia a relação como algo imprescindível a sua segurança e sobrevivência. É muito comum a pessoa que sofre por ciúme doentio verbalizar que sente um medo muito grande de não ser capaz de sobreviver no caso de seu relacionamento acabar.
Para evitar o sofrimento o ser humano aprende desde cedo a utilizar estratégias de defesa ou enfrentamento. Na infância, as estratégias são aprendidas por imitação ou por tentativa e erro. Na medida em que nossa inteligência é desenvolvida de forma mais abrangente, as estratégias infantis tendem a ser substituídas por outras mais maduras. As pessoas que sofrem de autoestima baixa ou frágil, no entanto, tendem a usar as mesmas estratégias que utilizavam para obter a atenção dos pais (tentativa de controle sobre eles, chantagem emocional, choro, gritos, ameaças e outros) para manter a atenção do (a) parceiro (a). Essas estratégias não são eficientes e acabam gerando mais sofrimento, pois geram desgaste na relação, afastando mais o (a) parceiro (a) e causando exatamente o oposto a que se propõem: a perda da pessoa amada.
Estratégias mais maduras, por outro lado, atuam como elemento agregador e mantém o sofrimento sob controle. Um exemplo disso é quando buscamos estratégias de entendimento das situações utilizando a razão; avaliando possíveis ações e reações, sem agirmos por impulso. Entretanto, quando a pessoa tem a autoestima baixa, ela tende a se deixar dominar pelas emoções e sua capacidade de avaliar a realidade fica prejudicada, inclusive sofrendo por ilusões e paranoia. Não é à toa que quando a pessoa está enciumada, reagindo de forma impulsiva, muitas vezes é vista como louca.
Como a psicoterapia pode ajudar?
A Psicologia conta com várias técnicas para ajudar o paciente a melhorar sua autoestima. Através da psicoterapia, é possível vivenciar as emoções com a dimensão adequada, sem maximizá-las. O tratamento também ajuda a descobrir e desenvolver recursos internos para lidar com as emoções. Na medida em que sua autoestima vai se fortalecendo, o paciente torna-se mais seguro; valorizando a si mesmo e passa a perceber as situações de maneira mais real, sem que lhe desencadeiem pensamentos, emoções e atitudes extremadas.
Além disso, a Psicoterapia ajuda o paciente a entender o funcionamento do cérebro e desenvolver o controle sobre seus pensamentos; consequentemente, sobre suas emoções e atitudes, pois controlando nossos pensamentos mantemos as emoções num nível aceitável de sofrimento e evitamos tomar atitudes que podem gerar consequências desastrosas e/ou mais emoções desconfortáveis.
Então, é natural sofrer por ciúme? Sentir ciúme é natural, mas não é natural sofrer por ciúme.
Por Sandra Arreal – Psicóloga da Equipe Psicotér